Bate e volta de Londres: uma viagem ao Último Reino
O que fazer em Winchester
Todo mundo que vai ao Reino Unido, quando tem sete ou mais dias no roteiro nos pergunta: dá para fazer um bate e volta de Londres?
Não só dá como as opções são tantas que ficamos até na dúvida. Oxford, Windsor, Bath e Cambridge estão no topo da lista dos marinheiros de primeira viagem, já que ficam entre 40 minutos e uma hora e meia de ligação direta com Londres por trem.
Eu já cheguei a ir e voltar no mesmo dia até Stratford-upon-Avon, a famosa cidadezinha de Shakespeare, mas acho que já fica um pouco longe. São duas horas e meia, ainda fazendo baldeação. Para o bate e volta ser perfeito, até uma hora e meia de distância da sua base é o ideal.
Então, desta vez resolvi conhecer uma cidade que não está no topo das paradas e que é imbatível se você gosta de História e lendas medievais. A linda e pacata Winchester.
Como chegar
Há inúmeras ligações diretas saindo de Waterloo, que é a estação de onde partem os trens para o sudoeste do país. A duração da viagem leva entre 1h05 e 1h20, a depender de quantas paradas o trem terá.
Você pode comprar os bilhetes na própria estação, nas máquinas de auto-atendimento, ou baixar o aplicativo da South Western Railway, comprar os bilhetes e adicionar à wallet do seu smartphone. Atenção! O aplicativo só vai funcionar quando você pisar em solo britânico. Caso queira comprar com antecedência ainda no Brasil, entre pelo computador.
O custo médio da pasagem de trem nesse trecho é entre £9 e £12 por adulto. Se você estiver viajando com crianças, elas vão pagar metade da tarifa até os 15 anos.
Para consultar os horários e preços, visite o site da National Rail e faça suas pesquisas na seção Journey Planner.
Chegando na estação de Winchester, você vai andar menos de dez minutos para chegar às ruas principais da cidade.
Por que Winchester? Um pouco de História.
Se você também tem um pezinho geek, deve conhecer a coleção de livros de Bernard Cornwell e a série da Netflix chamada The Last Kingdom. Apesar de ser uma história fictícia, é ambientada na Winchester real do século IX e você pode aprender um bocadinho sobre a importância da cidade na Inglaterra medieval.
Primeiro, naquela época ainda não existia uma Inglaterra unificada. A ilha era dividida nos reinos anglo-saxões da Mércia, Ânglia Oriental, Nortúmbria, Kent e Wessex.
É neste último que está Winchester, a capital do reino de Wessex. Àquela altura, todos estavam dominados ou sendo constantemente invadidos pelos homens do Norte (os vikings), que não apenas praticavam pilhagem, mas começaram a constituir um, digamos, posto avançado nas terras britânicas denominado Danelaw.
E Wessex foi o único reino que resistiu bravamente às invasões e – apesar de um acordo ali e outro aqui – não se curvou à dominação dos vikings.
O responsável por isso foi um rei tão emblemático que até hoje falamos nele: Alfredo, o Grande. Note que é o único rei que leva o aposto “o Grande” em mais de mil anos de História da Inglaterra (eu sou muito fã do rei Alfredo).
Alfredo era um veterano vitorioso em batalhas, mas ao mesmo tempo cristão fervoroso e um homem muito culto para os padrões da época. Mandou traduzir livros do latim para o anglo-saxão, para que mais pessoas (homens) pudessem ter acesso ao conhecimento. Teve a iniciativa de mandar escrever a história dos feitos do reino de Wessex nos compêndios denominados Crônicas Anglo-Saxônicas – que são objeto de estudo desse período até hoje.
Alfredo tinha o sonho da Engla Land unificada e lutou toda a sua vida por isso. As moedas cunhadas no seu reinado vinham com a sua efígie e os dizeres King of the English (rei dos ingleses). Afredo, o Grande, morreu em 899 aos 50 anos e somente em 927 seu neto Athelstan conquistou todos os reinos e se tornou “Rex totius Britanniae”.
Winchester foi a capital da Inglaterra até o ano de 1066, quando Guilherme o Conquistador mudou a capital para Londres.
O que fazer em Camelot…. opa, em Winchester
Grande Salão de Winchester
As atrações da cidade ficam bem pertinho umas das outras.
Seu roteiro começa saindo da estação de trem, caminhando oito minutos em direção ao Great Hall – o primeiro monumento mais impressionante da cidade.
O Grande Salão é obra de Guilherme, o Conquistador – me digam uma coisa na Inglaterra do século XI que não seja. Começou a ser construído logo após a sua coroação, como parte do Castelo de Winchester, sede do poder inglês – e único remanescente, junto com a torre do Portão Oeste, desse sítio histórico importantíssimo.
A construção que vemos hoje foi erguida no período do rei Henrique II no século XIII, em estilo gótico, e na época custou £500. O Grande Salão já foi residência real, tribunal, locação para filmes e séries de TV e salão para casamentos. Além de toda carga histórica do lugar, há uma lenda muito interessante que permeia a cidade de Winchester.
Os mitos e lendas dizem que o Rei Arthur governava do Castelo de Camelot, em sua távola redonda rodeado por seus fiéis cavaleiros. E qual não é nossa surpresa ao saber que no Grande Salão de Winchester existe uma gigante mesa redonda em carvalho inglês, medindo 5,50 metros de diâmetro e pesando 1.200 quilos!
No final do século XV o romancista Thomas Malory escreveu o famoso livro “A morte de Arthur“. Acreditava-se piamente que a mesa redonda de Winchester era datada do século VI – o que “batia” com o período arturiano, época em que suportamente o Rei Arthur viveu.
Com as modernas técnicas de datação de carbono, descobriu-se que na verdade a tal mesa foi encomendada no período do rei Edward I, por volta de 1290, como parte de um banquete de noivado de seus filhos. Muito menos glamuroso do que pensar que ali os Cavaleiros da Távola Redonda tiveram a visão do Santo Graal e juraram econtrá-lo.
E aí entra Henrique VIII na história, 300 anos depois, e a aparência da mesa como vemos hoje. Em uma visita a Winchester, ele mandou reformar o Great Hall e pintar a mesa.
Foram colocados uma rosa Tudor no centro, os nomes de 24 cavaleiros e uma pintura do próprio Rei Arthur – curiosamente com as mesmas feições de Henrique. O por quê disso? Os Tudor acreditavam ser descendentes diretos do lendário rei.
O Great Hall of Winchester funciona diariamente das 10h às 17h e o ingresso custa £8 para adultos e £5.50 para crianças de 5 a 16 anos. O bilhete tem validade de um ano e você pode visitar quantas vezes quiser nesse intervalo de tempo. A atração tem uma lojinha de souvenires e algumas roupas medievais para você colocar e tirar fotos em frente à tavola redonda.
Jardim da Rainha Eleonora
O jardim faz parte do Grande Salão. É a recriação de um jardim medieval e foi reinaugurado pela Rainha Mãe em 1986.
No período, os jardins herbais eram muito populares não só por causa dos aromas como também por sua utilidade para uso doméstico e medicinal. Cada planta tinha um significado: folhas de louro simbolizavam a eternidade, samambaias eram usadas para curar amores não correspondidos, espinheiro era símbolo da coroa de espinhos de Cristo.
Túneis de trepadeiras e roseiras forneciam sombra para proteger do sol as delicadas peles das donzelas da corte.
Westgate Museum
Saindo do Grande Salão em direção à High Street, você logo avista a torre de Westgate. Construção também original do período medieval, era um dos portões de entrada na cidade murada.
Hoje, a torre funciona como um pequeno museu que conta a história das dinastias Tudor e Stuart em Winchester, com exposição de armaduras e objetos da época. Suba suas escadas estreitas e tenha uma bonita visão da cidade do alto.
Westgate também funcionou como uma prisão para bêbados e “ladrões de galinha” e os presos entalhavam nomes, iniciais e datas nas paredes de pedra. Os “grafites” dos prisioneiros podem ser vistos até hoje.
Com o mesmo ingresso do Great Hall você acessa este museu.
High Street
Siga pela High Street até ela se transformar em uma charmosa rua de pedestres.
Toda cidade que se preze na Inglaterra tem uma High Street. É nesse local que se concentram as mais importantes lojas e os principais negócios, além de haver sempre uma boa dose de história para contar.
A Hight Street de Winchester segue o traçado da antiga estrada romana que levava até a cidade. Conseguimos ver construções que datam do século XVI (era Tudor) mas a maior parte é já do século XVIII.
Um dos monumentos mais antigos dessa rua é a Butter Cross, uma cruz sagrada esculpida em forma de pináculo no século XIV. Esse tipo de cruz era usado no período anglo-saxão para demarcar um local sagrado ou onde acontecia algo especial. Funcionou como um mercado local onde se vendia ovos, leite, queijos e manteiga (daí o nome pela qual ficou conhecida).
Na High Street você vai encontrar lojas queridinhas como Anthropologie de roupas e decoração, a livraria Waterstones que eu adoro, a Clarks para calçados, a White Company de artigos para casa e muitas outras marcas.
Estátua do Rei Alfredo, o Grande
No final da High Street você vai chegar em um pequeno largo onde está posicionada a estátua do grande personagem dessa história toda.
Em 1899 foi decidido que a cidade ganharia uma estátua do Rei Alfredo para marcar os mil anos de sua morte, porém a estátua de bronze só foi inaugurada em 1901.
Mais uma vez a estética mitológica arturiana é vista por aqui. Alfredo foi retratado com uma longa barba cacheada, quando nos registros de moedas da época ele era representado sem barba (para ver moedas do período de Alfredo o Grande, e outros objetos, vá ao Museum of London).
Catedral de Winchester
A 500 metros da estátua você vai encontrar a Catedral de Winchester – o segundo monumento mais impressionante da cidade.
A história da catedral começa no século VII, como a primeira igreja cristã em Wessex. Por volta do ano 1000 já era uma catedral, local de peregrinação e morada final dos reis anglo-saxões.
Seu destino mudou com a chegada de Guilherme, o Conquistador (de novo) que mandou demolir a antiga construção e erguer a “nova” no ano de 1079. No reinado de Henrique VIII foi reformada e transformada em igreja anglicana.
É a catedral com a maior nave gótica na Europa do Norte e ostenta características tanto normandas como propriamente góticas na sua construção. Nela, casaram-se em 1554 a Rainha Mary I (Bloody Mary) com o Rei Felipe II da Espanha.
A Catedral de Winchester realmente impressiona pelo tamanho e pelo seu interior relativamente simples se comparada a outras catedrais góticas do período. Não tem como não lembrar no livro Pilares da Terra, de Ken Follet, que eu adoro e super recomendo para quem curte Idade Média e catedrais góticas também.
A catedral abriga a Bíblia de Winchester, escrita em latim em 486 folhas de pergaminho no século XII e também o túmulo da escritora inglesa Jane Austen, que viveu na cidade os seus últimos anos. Há passeios guiados diariamente, já incluídos no valor do ingresso.
O funcionamento é de segunda a sábado das 9h às 17h e aos domingos das 12h30 às 15h. O ingresso custa £13.50 para adultos, £12 para seniors e £7 para estudantes. Crianças até 16 anos não pagam ingresso. O bilhete vale por um ano. Tem acessibilidade tanto na catedral como no café anexo.
DICA: se não quiser pagar para visitar a igreja, vá no horário da Evensong. Diariamente às 17h, o coro da igreja se reúne para cantar salmos e outras músicas, celebrando o final de mais um dia. Nós assistimos e foi bonito demais. Essa dica também serve para outras igrejas na Inglaterra que cobram ingresso.
Outras atrações
Caso você ainda tenha tempo – ou decida dormir na cidade para aproveitar mais – há outras atrações que pode incluir no seu roteiro.
Moinho de Winchester/ Rio Itchen – o antigo moinho para moer milho tem registro de funcionamento neste local desde o século X, sendo o mais antigo moinho da Grã-Bretanha que chegou funcionando até os dias de hoje. Foi usado até o ínício do século XX e é alimentado pela correnteza do rio Itchen. O moinho é aberto para visitação de quarta a domingo, das 10h às 16h e possui um café e loja de souvenires.
Winchester College – fundada em 1382, é uma escola privada de ensino médio. Tours guiados acontecem diariamente, onde o público vai conhecer a história da escola, o hall onde os alunos fazem as refeições, a capela e o claustro, os jardins e uma sala de aula datada do século XVII. O ingresso custa £12 e o passeio deve ser agendado com antecedência.
Abbey Gardens – jardins bem cuidados atrás da Prefeitura, com um riacho e gramados para descanso. Antigo local de uma Abadia que foi demolida por Henrique VIII na dissolução dos monastérios.
Wolvesey Castle – são as ruínas do palácio do antigo Bispo de Winchester, o homem mais poderoso e conselheiro de reis durante a Idade Média. Entrada gratuita.
Casa de Jane Austen – não é possível entrar, somente apreciar a fachada da casa onde a maior romancista inglesa viveu seus últimos dias. Fica bem perto do pub Wykeham Arms e do Winchester College.
St Giles Hill – um mirante do outro lado do rio, de onde você terá uma vista completa da cidade. São mais ou menos 15 minutos de caminhada da High Street.
Onde comer
Em volta da High Street está a maior parte dos restaurantes para você comer durante o seu passeio. Seguem algumas sugestões:
Côte Brasserie – rede de restaurantes com pratos clássicos franceses, bem executados e com bom preço. Eu costumo comer nele em Londres quando preciso de uma refeição de verdade, que não seja cara. Gosto bastante do frango com molho de champignon.
The Ivy Brasserie – em um ponto nobre da High Street, perto da Buttercross. Decoração caprichada como é usual nessa rede de restaurantes. Possui menu exeuitivo para almoço em dias de semana.
Ask Italian – comparando, seria um Olive Garden de UK. Como eu fui para Winchester com criança, resolvi comer nele porque seria mais fácil. As entradas estavam ótimas e a massa é honesta. Barato.
The Wyckeham Arms – o pub mais famoso de Winchester. Oferece menu sazonal feito com ingredientes locais. Você pode se hospedar também nesse pub que tem quartos muito aconchegantes. Dê uma olhada aqui
The Chesil Rectory – o melhor restaurante da cidade, comida típica britânica. Instalado em uma casa do século XV que foi construída por um rico comerciante local. Precisa reservar! Bom para ocasiões especiais.
Para pagar baratinho
Pret A Manger – já manjada, a Pret é um clássico para comprar aquele meal deal e comer em um banco de praça ou jardim.
Greggs – sanduíches, saladas, salgados e doces. Mesma “família” da Pret, para quem quer aquela comida rápida enquanto está turistando.
The Old Gaolhouse – pub da rede Wetherspoon, para quem não quer gastar. Os pratos são típicos de pub e baratos. É no esquema “compre um prato e ganhe uma cerveja”.
Onde se hospedar
Fique no centro histórico para não perder nada!
Hotel du Vin Winchester– hotel boutique 4 estrelas em um edifício Georgiano, a poucos passos do Great Hall.
The Old Vine – hospedaria muito charmosa, com apenas 6 quartos, que fica dentro de um pub.
Mercure Winchester Wessex – você pode reservar com seus pontos All Accor e conseguir bons descontos. Fica coladinho na catedral.
Travelodge Winchester – rede de hotéis econômicos, como se fosse um Ibis. Muito bem localizado, ao lado da catedral.
Sites e endereços úteis para o planejamento de sua viagem a Winchester
Winchester Visitor Information Centre – aberto das 10h às 17h e fechado aos domingos. Localizado na High Street, bem perto da estátua de Alfredo, o Grande. Mapas, reservas de passeios e outras informações turísticas você encontra aqui.
Visit Winchester – site de turismo oficial, com informações completas da cidade e calendário de eventos
Reserva de tours em grupo ou privativos – clique no link e agende seu passeio a pé guiado pelo centro histórico.
Mapa de indicações
Clique na figura abaixo para abrir o mapa com todas as indicações desse post.
Leia sobre o que fazer em Londres quando está com adolescentes nesse post aqui.